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Luan Victor

Travessias – “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior

No dia 27 de outubro de 2021, às 19h, o projeto Literatura, Engenharia e Reflexões – LER realizou o primeiro encontro virtual do clube de leitura Travessias, que foi criado com o objetivo de discutir a leitura de um livro selecionado previamente. Anteriormente, no dia 6 de outubro, conforme divulgado nas redes sociais do projeto, foi realizado um encontro de apresentação do projeto por meio de uma reunião na plataforma Google Meet. O Travessias é realizado na última quarta-feira de cada mês, sempre às 19 horas, sendo um espaço em que alunos, professores e demais participantes expõem suas observações sobre a leitura realizada e conversam sobre as impressões da obra, em um debate sempre muito rico em diálogos construtivos.



Durante o mês de outubro, foi realizada a leitura do livro “Torto Arado” (Editora Todavia), do premiado autor Itamar Vieira Junior, ganhador na categoria de romance dos prêmios Leya (Portugal, 2018), Jabuti (Brasil, 2020) e Oceanos (Brasil, 2020). A obra narra a história de duas irmãs, Bibiana e Belonísia, cuja infância é marcada por um acidente que muda completamente a vida de uma delas. Suas vidas, então, ficarão eternamente ligadas em uma narrativa que envolve o leitor de forma cativante, com um texto repleto de realismo, mas também evidenciando a cultura e os costumes religiosos de uma comunidade de agricultores no sertão da Chapada Diamantina, na Bahia. Ao longo de mais de 250 páginas, o autor desenvolve uma trama que aborda temas bastante pertinentes ao Brasil atual, bem como cria personagens que, de tão únicos, parecem pessoas reais que nos instigam a conhecer suas vidas e aprofundar-nos em seus sentimentos.


“De barro, apenas, que também servia para fazer a comida de nossas bonecas de sabugo, e de onde brotava quase tudo que comíamos. Onde enterrávamos os restos do parto e o umbigo dos nascidos. Onde enterrávamos os restos de nossos corpos. Para onde todos desceriam algum dia. Ninguém escaparia.”

(Torto Arado, de Itamar Vieira Junior)


Ao longo do encontro, que durou cerca de duas horas, o debate foi mediado pelo professor Luís Gonzaga Rodrigues Filho, que também é responsável pela coordenação do LER e professor do DIATEC – CT/UFC. Entre os presentes, estiveram a professora Áurea Holanda (DIATEC/CT), a professora Natália Barroso (DIATEC/CT), os bolsistas do projeto, servidores, ex-alunos e alunos da UFC e também de outras instituições. Inicialmente, o professor Luís deu as boas-vindas aos participantes e apresentou o clube, explicando o nome (Travessias) e comentando como se daria a dinâmica do encontro. Na sequência, ele apresentou a biografia do autor e comentou o histórico de premiações do romance lido.


Dando início à apresentação de impressões sobre a obra, o professor Luís abordou na sua fala o destaque dado às personagens femininas pelo autor, que desde o início do romance simboliza a resistência das mulheres por meio da força de lutar pela vida em meio às condições precárias de vida em que se encontram. De fato, esse é um dos aspectos mais elogiados do livro, que apresenta uma galeria de mulheres que sonham, trabalham e lutam por uma vida melhor.


“Cada mulher sabe a força da natureza que abriga na torrente que flui de sua vida.”

(Torto Arado, de Itamar Vieira Junior)


Na sequência, a bolsista Ana Carla Holanda comentou que não só uma das irmãs não tinha voz, mas toda a comunidade da Fazenda Água Negra, local onde decorre a ação. Nos comentários, vários participantes também comentaram que, ao longo da primeira parte do livro, o autor instiga o leitor a descobrir qual das duas irmãs havia cortado a língua. Complementando essa questão, a professora Áurea Holanda iniciou sua fala comentando os múltiplos temas abordados pela obra, sobretudo a questão da invisibilidade (exclusão social) sofrida pelos agricultores do romance, que tinham sua produção levada pelos capatazes dos donos da fazenda. Ela explicou que o livro toca em diversas questões sociais, muitas das quais são facilmente identificáveis atualmente em nosso país, como a escravidão moderna.


Complementando essa fala, o professor Luís abordou a questão do sofrimento de Belonísia ao ir viver com Tobias e também comentou a indefinição em relação a qual período de tempo a história é narrada, haja vista que mesmo o autor apresentando algumas referências, em momento algum é especificado algum ano ou década. O colaborador e ex-bolsista do LER, Lucas Benício, apresentou em sua fala que gostou bastante da leitura, que prende o leitor à relação das duas irmãs (principalmente na primeira parte, “Fio de corte”), narrando desde a infância das duas até a adolescência, momento em que Bibiana se apaixona pelo seu primo, Severo, e ambos fogem da Fazenda Água Negra. Também foi comentada a questão da forte presença do culto religioso narrado no livro, o jarê. O professor Luís complementou que a questão da atemporalidade traz à tona que, mesmo no Brasil contemporâneo, o racismo e a escravidão são problemas ainda presentes e que o livro poderia se passar mesmo na atualidade.


“Vi tanta crueldade ao longo do tempo, e mesmo calejada me comovo ao ver os homens derramando sangue para destruir sonhos.”

(Torto Arado, de Itamar Vieira Junior)


Dando seguimento à conversa, a professora Natália comentou que a realidade presente no livro é dolorosa, mas a cultura e os conhecimentos dos personagens mostram a riqueza de um povo marginalizado e esquecido pela história do país. Em seguida, o participante Nonato Ribeiro comentou que a leitura também foi difícil, principalmente pelo realismo na abordagem dos temas e das questões sociais discutidas pelo autor. Ele explicou que a conexão do povo do interior com a terra é de extrema importância, e preservar as tradições do Brasil interiorano se faz extremamente necessária. A conexão dessas comunidades com a natureza é uma relação que está para além da compreensão de quem não tem essa vivência interiorana.


O bolsista Luan Victor pontuou sobre as metáforas representadas por Bibiana e Belonísia: uma representa o homem e a outra representa a natureza. As duas começam suas vidas com uma forte relação, mas um acidente as separa, mesmo ainda estando unidas (isto é, o homem afasta-se da natureza), e depois de algum tempo distantes, o livro mostra uma reconciliação entre as duas, dando esperança de que ainda é possível que as pessoas se atentem para o cuidado com a terra e com os povos excluídos. A realidade abordada no romance, segundo ele, tornou o livro um clássico em muito pouco tempo.


“Meu pai, quando encontrava um problema na roça, se deitava sobre a terra com o ouvido voltado para seu interior, para decidir o que usar, o que fazer, onde avançar, onde recuar. Com um médico à procura do coração.”

(Torto Arado, de Itamar Vieira Junior)


Em seguida, a professora Áurea comentou que achou interessante a visão das metáforas citadas por Luan, comentando que não havia tido esse olhar durante a leitura. Luan complementou também que a questão da terra é um problema real, e que a terra pertence de fato a quem cuida dela, e não pode ser reivindicada por documentos sem valor. Lucas complementou que, ao longo do livro, essa visão dos personagens de gratidão e de medo dos donos da fazenda vai mudando, sobretudo quando começa a ser erguida a primeira casa de alvenaria nas redondezas. A professora Natália fez uma analogia dessa questão com o marco temporal.


Nonato voltou a comentar que a narrativa envolvendo Donana não se limita à primeira parte do livro, haja visto que sua história é explorada novamente na terceira parte do livro, cujo narrador surpreende o leitor com a dúvida que se cria em relação a ele. O participante Francisco Thyago também comentou esse aspecto, relembrando os conflitos centrais de “Rio de sangue”, terceira parte do romance. O professor Luís citou a frase “sobre a terra, há de se viver sempre o mais forte” e questionou à qual força o autor refere-se. Ele leu alguns trechos envolvendo a questão da educação, sobretudo no momento em que Belonísia demonstra seu desinteresse pela escola. Em seguida, traçou um paralelo com a irmã Bibiana, que se tornou professora.


“Não me interessava por suas aulas em que contava a história do Brasil, em que falava da mistura entre índios, negros e brancos, de como éramos felizes, de como nosso país era abençoado.”

(Torto Arado, de Itamar Vieira Junior)


A professora Áurea, ainda durante a discussão sobre a educação, lembrou que é sempre importante trazer a realidade do aluno para a sala de aula. Essa noção contrasta com a professora de Belonísia, que abordava em suas aulas personagens históricos que em nada tinham a ver com a história da população da Fazenda Água Negra. Posteriormente, o professor Luís leu um trecho que abordava o título do romance, “Torto Arado”, em uma passagem marcante narrada por Belonísia. Ana Carla complementou essa fala abordando a importância de Belonísia ter reencontrado a faca de sua avó após suas constantes brigas com Tobias.


O professor Luís comentou a questão da loucura como um escape para os sofrimentos vividos por aqueles personagens, como as gêmeas Crispina e Crispiniana, e o respeito ao líder espiritual do jarê, Zeca Chapéu Grande. Na sequência, ele apresentou a letra da música “A carne”, famosa na voz de Elza Soares. Após uma breve discussão sobre essa música, ele voltou a ler trechos selecionados do romance e, brevemente, recitou o último capítulo de “Rio de sangue” (a parte final do livro). Ana Carla também leu um breve trecho que lhe marcou fortemente, rendendo alguns comentários dos presentes sobre a questão da presença termos racistas enraizados na nossa cultura.


“Como as chagas do Senhor dos Passos crucificado. Como as mãos do seu povo. Como as mãos dos antepassados. Mãos que os ajudaram a sobreviver, que forjaram o alimento e encantos ao manejar folhas e movimentá-las pelo corpo necessitado. Mãos que forjaram a defesa e a justiça quando possível. A mão que o curador deixou na cabeça de seus filhos.”

(Torto Arado, de Itamar Vieira Junior)


Aproximando-se dos momentos finais do encontro, o professor Luís perguntou a Lucas, colaborador e bolsista do projeto entre 2019 e 2020, sobre a experiência com o modelo virtual do clube de leitura. Lucas respondeu que gostou bastante do formato, pois gerou discussões enriquecedoras e apresentou novas percepções sobre o livro, não captadas por ele ao longo da sua leitura. Anteriormente, antes da pandemia, o clube de leitura do LER era quinzenal e não envolvia diretamente a leitura de um livro específico, mas apenas trechos selecionados de romances, contos, crônicas, letras de músicas, entre outros gêneros textuais.


Continuando as considerações finais sobre o livro e o encontro, a professora Natália pontuou a fluidez natural da discussão, que ocorreu de forma prazerosa e bastante proveitosa. Ana Carla e Luan apresentaram suas considerações finais, também enaltecendo o poder de discussão da obra e reafirmando o compromisso do LER em gerar debates interessantes e atrair cada vez mais leitores para os encontros. O professor Luís também declarou sua satisfação pela presença de todos e convidou os presentes a participarem do próximo encontro, que será realizado 24 de novembro, às 19h. O livro do mês será “O alienista”, de Machado de Assis. O encontro teve uma excelente realização, com uma ótima troca de ideias e uma conversa enriquecedora entre os presentes. Fiquem atentos às redes sociais do LER (os links estão disponíveis logo abaixo) para saber as novidades do próximo encontro do Travessias e não deixem de se inscrever no canal do projeto do YouTube e participar do grupo de WhatsApp do projeto.

 

Instagram: @ler.ufc (www.instagram.com/ler.ufc)

 

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