Com_Versando – II Encontro Virtual do LER
No dia 17 de dezembro de 2020, às 18h, o projeto Literatura, Engenharia e Reflexões (LER) realizou a segunda edição da sua mais recente ação, o Com_Versando. Dando prosseguimento à roda de conversa sobre educação, engenharia, literatura, cultura e arte, o mediador do encontro, professor Luís Gonzaga (idealizador do projeto), recebeu a professora do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (DET – UFC), Verônica Castelo Branco, e também Lisiane Forte, escritora e psicóloga clínica e organizacional.
Os minutos iniciais do encontro foram dedicados à apresentação do projeto LER aos espectadores. Em seguida, o mediador apresentou as convidadas do segundo encontro, abordando um pouco de suas biografias e, posteriormente, passou a palavra para a professora Verônica, que iniciou a sua fala. É importante ressaltar que, por ser professora do Centro de Tecnologia da UFC, a professora Verônica já mantém uma forte ligação com o LER, tendo colaborado com o professor Luís Gonzaga e com o projeto desde os seus primórdios.
A professora Verônica começou comentando sobre sua alegria em ter participado dos encontros do clube de leitura do LER. Ela fez uma retrospectiva sobre sua história de vida e relação com a literatura, explicando que foi criada em meio aos livros, numa casa que sempre teve biblioteca, além de um pai aficionado pela leitura. Segundo ela, seu pai (defensor público e, posteriormente, veterinário) sempre foi um leitor eclético, indo dos clássicos (especialmente os cearenses, como Rachel de Queiroz) até best-sellers. A professora continuou descrevendo que sua infância e adolescência foram permeadas pelo amor à literatura que absorveu de seu pai.
“Falando com vocês e na minha frente eu ainda enxergo a coleção da Enciclopédia Mirador, que era dele, e que eu fazia as pesquisas na minha infância e na minha adolescência. E a relação do meu pai com os livros era tão forte que ele costumava guardar dinheiro dentro dos livros, pois, para ele, livros eram cofres.”
(Professora Verônica Castelo Branco)
Dando seguimento à fala, a professora comentou que a casa de sua família, além dos livros, era caracterizada também pelo som do vinil, com as músicas do rei do baião, Luiz Gonzaga. Essa relação da família com o sertão motivou Verônica a pesquisar mais sobre a vida e as obras do cantor e das tradições interioranas. Ela explicou que a máquina de escrever que estava atrás dela, em seu escritório, era de seu pai, que escrevia bastante e também foi uma forte a inspiração pelo gosto da literatura.
“Eu nunca eduquei meus filhos, eu vivi com eles. Porque apesar dessa ambiência toda, meu próprio pai nunca me pediu para ler. Ele nunca me obrigou a ler, mas ele lia muito na minha frente e eu sempre fui muito curiosa e eu achava que aquilo podia ser muito interessante.”
(Professora Verônica Castelo Branco)
Verônica revelou que se tornou uma leitora muito semelhante ao seu pai, sem pudores com relação ao que lê e, mesmo lendo muitos gêneros, sempre se cobra a ler mais. Além disso, o amor pela leitura reforçou o seu prazer pelo ato de escrever, bem como o gosto por qualquer outra expressão de arte. Apesar da satisfação por essa ambiência literária, que se contrapõe ao estilo “engessado” da Engenharia Civil, ela explicou que é possível uma formação mais humanizada, subjetiva e sem estigmas que vigoraram por muito tempo nesse curso.
Ela conta que, após se tornar professora, passou a ter um contato maior com as obras de Rubem Alves, Paulo Freire e José Pacheco, inclusive os utilizando na sala de aula. Segundo ela, a divisão das aulas em acolhida, corpo da aula e avaliação da aula permitiu um contato maior dela e dos alunos com esses autores, além de outros, sempre com o objetivo de utilizar a literatura como estratégia para conversar com os alunos e conhecê-los melhor. Ela também comentou sobre a importância das obras “A alegria de ensinar” (1994) e “A educação dos sentidos” (2005), ambas de Rubem Alves, na sua formação como professora.
A leitura dos jornais nos torna estúpidos? (trecho)
Rubem Alves
“Pensar não é ter as informações. Pensar é dançar com o pensamento, apoiando os pés no texto lido. [...] Lembrei-me de Schopenhauer: "No que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante. Essa arte consiste em nem sequer folhear o que ocupa o grande público. Para ler o bom, uma condição é não ler o ruim: porque a vida é curta e o tempo e a energia escassos... Muitos eruditos leram até ficar estúpidos." Existirá possibilidade de que a leitura dos jornais nos torne estúpidos?”
(Folha de São Paulo, 2 de setembro de 2001. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0209200109.htm)
Para além de Rubem, Verônica também lembrou que, para Pacheco, “nas escolas é feito com as pessoas o contrário do que Gepeto fez com Pinóquio, isto é, em vez de dar vida a um boneco de madeira, a gente transforma os nossos alunos em bonecos de madeira”. E ela explicou que Freire, Pacheco e Alves estão sempre se conectando por meio de frases, pensamentos e ideias semelhantes. Revelou também sua paixão por José Saramago, Martha Medeiros e Manoel de Barros, bem como Ana Holanda, João Anzanello Carrascoza e também Mia Couto, Valter Hugo Mãe e José Eduardo Agualusa.
As mais belas coisas do mundo (trecho)
Valter Hugo Mãe
“O meu avô pedia que não me desiludisse. Quem se desilude morre por dentro. Dizia: é urgente viver encantado. O encanto é a única cura possível para a inevitável tristeza. Havia, às vezes, um momento em que discutíamos a tristeza. Era fundamental sabermos que aconteceria e que implicaria uma força maior.”
(Editora Biblioteca Azul)
A docente também comentou sobre o capítulo que escreveu para a coletânea de textos de escrita experimental organizada e publicada pelo professor Cavalcante Júnior, do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará (ICA – UFC). Com o título “Insubmissão Científica”, o capítulo que ela escreveu é uma carta direcionada ao editor-chefe de um importante periódico ao qual ela submetia seus artigos acadêmicos. No texto, a professora informa que não seguiria mais as regras de publicação, desrespeitando os limites de página, usando primeira pessoa e se negando a continuar escrevendo como o sistema exige, ou seja, um texto de libertação.
Sobre a pandemia, Verônica disse que a literatura se tornou um alento, uma companhia muito preciosa para si. Ela leu muito sobre vida e morte, literaturas feministas e negras e também literatura acadêmica (como “O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho”, de Sidarta Ribeiro). Ela declarou a intenção de promover na graduação e na pós-graduação a realização de saraus acadêmicos-literários (ou científico-literários), dando espaço para que os formandos apresentassem seus trabalhos de conclusão de curso, de modo formal, mas também trazendo expressões artísticas. Encerrando sua fala, ela declamou o texto “Eu, máquina”, escrito por um de seus alunos da Engenharia Civil, Everton, que num dos saraus promovidos pela docente, apresentou a proposta do trabalho de conclusão do curso com esse texto. A professora expressou sua emoção pelo texto e ainda citou uma frase de Carrascoza.
Caderno de um ausente (trecho)
João Anzanello Carrascoza
“[...] porque as palavras dizem também outras coisas quando enunciam o que enunciam, Bia, “eu te amo” nem sempre é um incêndio, infinitas vezes é monotonia, o que vai do coração à língua perde muito de sua seiva no caminho, como a água é menos água entre o copo e a boca, o mel é menos mel no percurso do pólen ao favo.”
(Editora Alfaguara)
Dando sequência à conversa, o mediador parabenizou a professora Verônica pela sua excelente fala e comentou que se identificou com o pai dela, já que também gosta de fazer anotações nos livros. Ele também confirmou o prazer em ver os alunos concludentes apresentando expressões artísticas em seus trabalhos, assim como também congratulou a docente pelos textos do livro de escrita experimental do professor Cavalcante Júnior. Em seguida, o mediador leu alguns textos escritos pela professora Verônica durante o isolamento provocado pela pandemia do Covid-19. Posteriormente, o professor retomou a biografia de Lisiane Forte e passou a palavra para ela.
Autora dos livros “Zonas Abissais” (Aliás Editora) e “Liames” (Premius Editora), a escritora Lisiane Forte deu início à sua fala felicitando os docentes Verônica e Luís, e explicou que, em seu trabalho como psicóloga clínica, mantém bastante contato com engenheiros. Nascida em Fortaleza e criada em Minas Gerais, ela comentou que, por seu pai ser engenheiro agrônomo, isso fez com que crescesse entre números (o oposto do que ocorreu com a professora Verônica) e também entre desenhos técnicos manuais. Lisiane recitou um poema (ou “prosa poética”) que fez para seu pai (o texto foi publicado na obra “Liames”, que significa ligação, vínculos, amarras).
Quando adolescente, Lisiane, além do gosto pela escrita, era fascinada pela leitura de livros de ficção científica, assim como seu pai. Entre eles, “Eram deuses os astronautas?” e “Admirável mundo novo”. Ela seguiu sua fala abordando sua paixão pela literatura e pela escrita, dando destaque às obras de Castro Alves e Cecília Meireles.
A arte de ser feliz (trecho)
Cecília Meireles
“[...] Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos: que sempre parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. [...]”
(Crônica extraída do Livro “Escolha o seu sonho” de Cecília Meireles. 4ª ed., Rio de Janeiro: Global Editora, 2016)
Lisiane declarou que, durante a pandemia, lhe foram um alento tanto a literatura como a dança, a música e todas as formas de expressão. Para ela, “a leitura vem para se fazer uma ficção e se reconhecer ali”. A psicóloga diz que a atual positividade tóxica precisa ser substituída pelo contato com os sentimentos de dor, alegria e amor. Em seguida, ela leu o seu texto “Insurgentes Contemporâneos”, publicado na revista Pequiá. Sobre a sua experiência com a literatura, Lisiane contou que sempre teve a leitura acompanhada pela escrita; ela precisava tirar de dentro de si algo que desconhecia. Ao reler seus textos, ela diz que tudo ganha novos significados, já que o hoje não é mais ontem e nem amanhã. Assim, a escrita permite revisitar nossas memórias. Na sequência, ela leu um poema seu e explicou o seu processo criativo. Encerrando sua fala, ela agradeceu pela participação.
“Conhecer as regras é importante, mas quebrá-las também, quando se faz necessário.”
(Lisiane Forte)
O mediador mais uma vez agradeceu pela participação das convidadas, fez algumas considerações finais sobre os temas abordados ao longo da conversa, abriu espaço para as perguntas e comentários dos espectadores que acompanharam o encontro e passou a palavra para as últimas considerações das convidadas. De modo geral, o encontro foi muito bem organizado, rico em trocas de experiências entre os presentes. Fiquem atentos às redes sociais do LER para saber as novidades dos próximos encontros e não deixe de se inscrever no canal do projeto do YouTube.
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