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  • Luan Victor

Crer ou Não Crer - Leandro Karnal e Pe. Fábio de Melo



Leandro Karnal é historiador e professor brasileiro, nascido no Rio Grande do Sul. Conhecido por suas palestras de extremo sucesso, seus vídeos sobre filosofia e outros assuntos são frequentemente compartilhados nas redes sociais. Abertamente ateu, Leandro tem em seu passado uma infância e adolescência completamente católicas. Mas, segundo ele, ser católico não necessariamente o fazia ser cristão. Já Fábio de Melo nasceu em Minas Gerais e, desde criança, foi educado pela mãe nas bases católicas, com todos os ritos possíveis. Depois de muito estudar (foram dezesseis anos, incluindo um mestrado com jesuítas), ele tornou-se padre, importante líder religioso do catolicismo apostólico romano.


Mas o que poderiam conversar um ateu e um religioso? Essa é a grande virtude do livro "Crer ou não crer", publicado pela Editora Planeta do Brasil em 2017. O prefácio é escrito pelo filósofo e professor Mario Sergio Cortella. Por mais conflitante que alguns considerem, os dois têm mais a conversar do que parece. Em um extenso diálogo dividido em sete partes, somos apresentados a argumentos, fatos históricos e citações bibliográficas de dois homens de crenças distintas, mas de formações ricas culturalmente.


"O meu ceticismo não nasceu da experiência biográfica na Igreja, mas apesar dela. A experiência foi muito boa. O ceticismo foi emergindo porque fui esbarrando nessa experiência muito subjetiva e complexa. Onde você encontrou Deus, eu me desencontrei Dele. No cotidiano, passei a não achar mais que tem alguém do outro lado. O silêncio metafísico foi estrondoso." — Leandro Karnal


Num tom respeitoso e amigável, os dois autores falam inicialmente sobre suas inclinações para aquilo que exercem hoje. Fábio de Melo começa apresentando sua extensa formação para se tornar padre e as provações que teve de passar para certificar-se de que era aquilo que realmente queria. Além disso, o padre perpassa por comentários diversos sobre as religiões, sobre Deus e também sobre a visão atual da fé como algo negociável. Posteriormente, ainda na primeira parte, Karnal faz exatamente o mesmo, só que no seu caso ele explica as razões que o motivaram para o ceticismo. De família católica, Karnal também quase entregou-se ao sacerdócio. Mas ainda jovem sentiu que não via mais sentido na visão cristã de acreditar que há "algo" do outro lado.


Nas partes seguintes, o leitor é brindado com citações reflexivas, interpretações complementares de algumas passagens bíblicas e até mesmo uma piada "educativa" de Karnal para explicar um comentário. Pode parecer que o livro adota um tom sério, mas, na verdade, ambos os autores seguem um ritmo leve, descontraído, baseado no respeito mútuo e na admiração pelo conhecimento do outro. São dois amigos contemporâneos falando sobre vários temas, mas sempre retornando à questão que dá título à obra: "crer ou não crer?".


"Ninguém tem uma vida extraordinária. Todo mundo precisa administrar um cotidiano absolutamente comum. Eu me recordo de que uma vez perguntaram a Adélia Prado por que ela, sendo a grande escritora que é, vivia em Divinópolis. Ela respondeu: “O que eu preciso para escrever é o que qualquer outro lugar do mundo me daria, é meu cotidiano”." — Padre Fábio de Melo


O livro não busca doutrinar ou desviar o leitor das suas convicções, mas o convida para conhecer pontos de vistas diferentes (ou mesmo complementares). Enquanto padre, Fábio é sincero e não teme expor situações difíceis de sua vida ou mesmo momentos nos quais pensou perder sua posição de líder religioso. Karnal, por sua vez, não teme falar de sua formação católica e, posteriormente, dos seus constantes questionamentos sobre a religião. Karnal, então, expõe ao leitor as leituras que fez, os autores que lhe fizeram pensar como pensa e complementa o nosso saber com uma precisa especificação histórica e bíblica. Um complementa a ideia do outro como se fossem membros de uma mesma ordem religiosa, mas na verdade são apenas duas pessoas iluminadas que conseguem manter um diálogo respeitoso e sem agressões ou ironias comuns em debates entre religiosos e céticos.


“De vez em quando alguém me pergunta: ‘Como é o céu, padre?’. Honestamente, eu respondo: ‘Não sei, querido, porque eu ainda não morri. Estou na mesma situação que você, sem saber como é’.” — Padre Fábio de Melo


Alguns poderiam considerar as primeiras partes muito "regradas", técnicas, mas, ao longo do livro, o leitor perceberá que é até comum que um autor interrompa o outro para complementar uma informação ou mesmo confirmar uma ideia do colega. O ritmo das perguntas e das respostas vai sempre ditando o objetivo de cada parte da obra. Em certo ponto do livro, quando o assunto é a morte, fica claro para o leitor que ambos os autores concordam sobre seu efeito na Terra, mas apresentam visões distintas sobre o "depois". É um diálogo precioso entre um professor e um padre.


“O fato de algumas borboletas durarem 48 horas e algumas tartarugas, 150 anos, não faz com que uma vida seja melhor do que a outra. Na verdade, eu acho, inclusive, que a beleza da flor natural é ela morrer. E é o horror da flor de plástico: nunca morre e, por isso, nunca vive.” — Leandro Karnal

Independentemente da sua religião (ou da ausência dela), caro leitor, "Crer ou não crer" é um livro muito necessário, pois tanto para um religioso quanto para um ateu, a obra direciona para uma ideia de que não existe consenso sobre quem está certo, mas que cada um está certo naquilo que acredita. E não é preciso muito esforço para respeitar a crença do outro. É um respeito mútuo e muito admirável o que se lê nessa obra tão maravilhosa. Lá pelo final do livro, parece até que os dois chegam a um interessante consenso. Diz Padre Fábio: — "Nunca é muito repetir meu carinho: A quem não tem Deus, que tenha, pelo menos, Aristóteles". E responde Karnal: — "Amém"!

 

Como complemento, indico ao leitor o seguinte vídeo, gravado um ano após o lançamento do livro. É um diálogo complementar e apresenta alguns dos assuntos abordados na obra. É garantia de conhecimento! https://youtu.be/PysKuQ8FpTQ

 

Esperamos que tenham gostado!

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