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  • Lucas Benicio | Luan Victor | Luís Gonzaga

30 anos sem Cazuza


Um dos maiores nomes da música brasileira, Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, nasceu, viveu e morreu no Rio de Janeiro. Em seus 32 anos de vida, Cazuza cantou, compôs canções (que na verdade são maravilhosos poemas) e encantou uma legião de fãs que enxergavam nele um ídolo do rock nacional da época. Aliás, mais do que um ídolo, Cazuza foi um grande poeta, digno de receber as alcunhas de "o poeta do rock", "exagerado" e "caju". Neste dia, 7 de julho de 2020, Cazuza, se estivesse vivo (fisicamente), estaria com 62 anos de idade. Infelizmente, nosso ídolo faleceu neste exato dia, em 1990. Portanto, hoje faz trinta anos que perdemos uma lenda da geração de 1980, na qual teve a oportunidade de deixar a sua eterna marca na história do Brasil.


Cazuza nasceu no Rio, em 1958. Criado no Leblon, de família de classe média alta, viveu sua infância e adolescência na ditadura militar brasileira. Desde pequeno, mostrava interesse e entusiasmo com a música. Filho de um produtor musical e de uma cantora de música popular, logo, não é de se estranhar a familiaridade de Cazuza com outros famosos cantores da música Popular e da Bossa Nova, como Cartola, Lupicínio Rodrigues, Maysa, Dalva de Oliveira e até mesmo da contagiante rockeira Rita Lee. Por seu pai ser produtor, Cazuza teve contato com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Gal Costa e outros expoentes da MPB. Desde a infância, ele já escrevia poemas e letras de canções. Inclusive, um de seus poemas escrito para sua avó paterna, com quem Cazuza possuía uma ligação muito forte, acabou virando uma belíssima música “Poema” posteriormente à sua morte, gravada por Ney Matogrosso a pedido de sua mãe. Mas foi apenas no começo da década de 1970 que ele teve um contato mais profissional com a música. Ao longo daquela década, ele passou por vários momentos: estudou Comunicação Social (ainda que por poucas semanas), trabalhou com seu pai na Som Livre, cursou fotografia nos Estados Unidos e ainda retornou ao Rio para participar de um grupo teatral. Ou seja, antes de ser apenas um dos maiores nomes da música brasileira, Cazuza foi um artista apaixonado por vários segmentos da cultura e arte como teatro, fotografia, música e literatura.

Mas como o próprio Cazuza diz na canção "O tempo não para", ele é mais um cara. E ele logo começou a década de 1980 como o novo integrante da banda de rock "Barão Vermelho", na época liderada por Roberto Frejat. Foram muitas músicas de sucesso: "Ponto Fraco", "Bilhetinho Azul", "Down em Mim" e "Todo Amor que Houver Nessa Vida". Cazuza e Frejat, os quais se chamavam carinhosamente de Caju e Brow, desenvolveram uma parceria de sucesso, com musicas que se destacaram tanto no Barão quanto na carreira-solo de Cazuza. A musica “Nós” foi a primeira composição da dupla, que produziram muitas outras como “Pro Dia Nascer Feliz”, “Blues da Piedade”, “Bete Balanço”, “Ideologia”, “Malandragem” entre outras.


Não demorou para que Cazuza fosse logo nomeado o maior poeta de sua geração. Entretanto, ele não permaneceria por muito tempo no Barão Vermelho, saindo em 1985, quando resolveu lançar sua carreira solo. O rock já não era suficiente para abrigar uma poesia avassaladora, áspera e direta. Também foi nesse mesmo período que surgiram os primeiros sinais da AIDS, transformando completamente sua vida. Agora, mais do que antes, a música passaria a se tornar vital e urgente.

“Senhoras e senhores

Trago boas novas

Eu vi a cara da morte

E ela estava viva

Eu vi a cara da morte

E ela estava viva

Viva”.

Foi no ano de 1985 que Cazuza lançou seu primeiro álbum solo, o maravilhoso “Exagerado”, com a faixa que dá nome ao álbum composta junto a Leoni, vindo a se tornar um dos seus maiores sucessos, sendo quase uma biografia, na letra bastante solta e cativante pode-se entender um pouco do que era esse grande artista, “Pra mim é tudo ou nunca mais” como consta na letra, nos mostra sua profundidade, sua forma de viver intensamente. Em 1987 foi lançado seu álbum “Só se for a dois”, em suas canções percebia-se um Cazuza mais romântico, não que ele já não fosse, mais as canções se destacavam em relação ao tema, como na musica que intitula o álbum, além de “O nosso amor a gente inventa” e “Solidão que nada”. Foi também nesse período que a parceria musical com Frejat é retomada com a música “Culpa de estimação”, revelando mais uma vez sua irreverência ao falar sobre temas delicados como a bissexualidade.

“Por onde eu ando Levo ao meu lado A minha namorada Cheirosa e bem tratada

Não sei se o nome dela É Eva ou Adão É religiosa por formação A minha culpa de estimação”.

Em 1987 ao ser internado com pneumonia, Cazuza realizou um teste e foi diagnosticado sendo portador do vírus HIV, a noticia foi bastante impactante pelas circunstancias e pela forma de tratamento na época, além do preconceito que ainda existia a respeito da AIDS, apenas uma doença de tal porte para tentar barrar o brilho do nosso exagerado. Após um período de tratamento nos EUA ele retorna ao Brasil, iniciando as gravações para seu novo álbum “Ideologia” em 1988 com a dimensão que Cazuza representava, incluindo hits atemporais que ecoam até o presente como “Ideologia”, “Faz parte do meu show” e “Brasil”, esta ultima sendo premiada com o prêmio Sharp como melhor música do ano e melhor canção pop-rock do ano.

Cazuza seguia cativando cada vez mais o seu publico, quem não gostaria de estar eufórico em um dos seus shows? Em 1989 durante sua turnê que contava com a direção de Ney Matogrosso, foi gravado o seu disco de maior sucesso comercial “O tempo não para” e não para mesmo, quem diria que já estaríamos às vésperas de completar infelizes 30 anos sem Cazuza... Nesse disco, novos sucessos eram emplacados, como “O tempo não para”, “Codinome Beija-flor” e “Todo amor que houver nessa vida”.


A década de 1980 pode ser considerada o auge da carreira musical (e até pessoal) de Cazuza. Boêmio, rebelde e revolucionário, o poeta do rock gostava de quebrar padrões e viver uma vida sem impedimentos. Ele se relacionava com homens e mulheres. Ney Matogrosso, outro grande nome da música nacional, teve um intenso romance com Cazuza, algo lembrado por Ney com bastante carinho até hoje. Porém, não à toa Cazuza também era conhecido como “exagerado”: consumia drogas (principalmente cocaína) e abusava de bebidas alcoólicas. Mesmo assim, foi corajoso ao assumir para a mãe, por exemplo, sua bissexualidade, algo que na época era considerado um tabu. Além disso, não temeu assumir publicamente que era soropositivo, encorajando outras pessoas a respeitar e entender a doença numa época em que havia muita desinformação, preconceito e pouco interesse em ajudar os portadores do vírus HIV, lançou então seu ultimo álbum “Burguesia” já meio debilitado, sendo gravado com Cazuza muitas vezes em uma cadeira de rodas.


Entre outubro de 1989 e julho de 1990, Cazuza esteve em internação nos Estados Unidos. No dia 7 de julho da nova década, Cazuza partiu, mas deixou para as novas gerações o seu legado musical e poético. Sua mãe, Lucinha Araújo, tornou-se filantropa, criando com o marido (João Araújo, falecido em 2013) a ONG Sociedade Viva Cazuza, que promove assistência para crianças e adolescentes soropositivos. Lucinha ainda concederia diversas entrevistas que serviram de base para livros. O primeiro, "Cazuza, só as mães são felizes" (Editora Globo), foi publicado em 1997, foi escrito pela jornalista Regina Echeverria (com a colaboração do jornalista Mauro Ferreira) e narra a história de Cazuza do nascimento até a morte. Como filho único do casal, Lucinha é narradora do livro que conta a trajetória curta, mas inesquecível, de um dos maiores nomes da música brasileira. Esse livro serviu de base para o roteiro do filme "Cazuza – O tempo não para", lançado em 2004 pela Globo Filmes.


Em 2001, foi publicado "Cazuza, preciso dizer que te amo", pela Editora Globo. Regina Echeverria, Mauro Ferreira e Lucinha Araújo repetem a parceria do livro anterior e, dessa vez, reúne toda a obra de Cazuza: letras, poesias, fotos e depoimentos de parceiros musicais do cantor, além de letras inéditas do cantor. Esse livro possui uma maravilhosa resenha publicada no blog do LER, em novembro de 2017, pela colaboradora Rayssa Carneiro, aluna do curso de Engenharia Civil – UFC, na época bolsista do projeto.


Em 2019, o escritor Rafael Julião publicou, pela Editora Batel, a biografia "Cazuza: segredos de liquidificador", que em pouco mais de 250 páginas analisa a obra de Cazuza sob a ótica da canção popular no contexto histórico e social do Brasil da década de 1980, além de tecer comparações entre aspectos sociais da época vivida por Cazuza com os dias atuais. A obra é um ótimo estudo do impacto de Cazuza no cenário social, além de um verdadeiro ensaio sobre a discografia do cantor, que ainda vive no coração de todos nós e continuara a ser lembrado em livros, canções, peças de teatro e filmes.


Sem duvidas Cazuza é um dos maiores ícones da musica popular brasileira, além de sua qualidade técnica, artística e poética, sua irreverência o tornava um artista único, com suas criticas em tom de ironia que entregavam as mazelas do Brasil, expondo os preconceitos e problemas do pais ao passo que ordenava “Brasil mostra tua cara”, as letras que hora ou outra chocavam, mas sempre em tom de verdade, exagerado mas na medida certa, pois foi um artista de proporções enormes, cativando amantes do rock brasileiro de forma atemporal, mesmo sendo um artista que não se importava em agradar a todos, mas sim em expor sua verdade. Parece até que já sabia o destino que o aguardava, provavelmente traçado desde a maternidade, passando de “Eu sou mais um cara” para definitivamente “Eu sou o cara” e posso afirmar que “O poeta não morreu”, pois ele segue vivo em nossos corações.


 

Referências

Por fim, deixamos algumas indicações de materiais em vídeo para que você possa conhecer melhor a vida e a obra de Cazuza e também sua história. O primeiro vídeo é o especial "Por Toda Minha Vida – Cazuza" (https://youtu.be/HmmqlR3Heuk), produzido pela Rede Globo em 2009. Nele, estão imagens de arquivo e depoimentos de familiares e amigos, além de reconstituições de passagens importantes da vida do artista.


O segundo material são alguns vídeos do programa "Por trás da canção", do canal BIS (canal de televisão por assinatura), que dedicou alguns episódios para explicar a criação e a gravação de algumas composições de Cazuza: "O tempo não para" (https://youtu.be/IL58opkmTo4), "Pro dia nascer feliz" (https://youtu.be/OLE8EnOjoTc), "Preciso dizer que te amo" (https://youtu.be/-rXz2xSPMW8),"Exagerado"(https://youtu.be/abpFyE7bIxE) e "Malandragem" (https://youtu.be/iVSUGdySh1s), que lançou a carreira da também célebre Cássia Eller. Nesse programa, é notável as aparições de membros do Barão Vermelho, como Roberto Frejat, que dá detalhes das gravações e repercussão dessas canções.


O terceiro material é o filme "Cazuza, o tempo não para", filme biográfico de 2004, lançado pela Globo Filmes. Nele, Cazuza é interpretado pelo ator Daniel de Oliveira. Além de grandes atores, participam do filme em aparições especiais alguns familiares de Cazuza.


A quarta e última indicação é um complemento especial: uma entrevista da mãe de Cazuza, dona Lucinha Araújo, para Marília Gabriela, no SBT, em 2014. Embora Lucinha tenha dado várias entrevistas e conversado com diversos apresentadores, nessa entrevista ela mostra-se à vontade para relembrar a memória do filho e compartilhar com os fãs a eterna saudade que Cazuza promove em nossos corações.


Resenha – Cazuza – Preciso dizer que te amo

Autora: Rayssa Carneiro

Música – Poema

Compositor: Cazuza

Autora: Lucinha Araújo

Editora: Globo Livros

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